Antes de abrir fogo contra instituições multilaterais, pergunte-se antes de que lado você está.
Uma das desvantagens da área de comunicação é nunca se especializar efetivamente em nada. O comunicador é um 'expert' em generalidades. A área, no entanto, é uma das que estuda o espetacular e interessante efeito dos símbolos e mensagens gerados cotidianamente.
Ainda me impressiona o fato de que a sociedade contemporânea, mesmo tendo um acesso brutalmente maior à educação, esteja pouco a pouco sendo dominada pelas imagens. E por 'imagens' quero dizer este conjunto de símbolos e mensagens que grosseiramente identifico.
Entre leigos e, também, no jornalismo internacional, tenho ouvido com uma frequência maior do que a desejável que entidades como a Organização das Nações Unidas (ONU) ou outras comunidades regionais multilaterais “faliram”. Motivo apresentado constantemente: o Conselho de Segurança não impediu as invasões do Iraque e do Afeganistão.
A partir desses “fatos”, decretam o fim das Nações Unidas, em um mundo cada vez mais financeirizado e “sem fronteiras”. A própria União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) foi desqualificada por um “destacado” comentarista internacional na semana passada, na mediação do impasse diplomático entre a Venezuela e a Colômbia. Motivo: “Não tem força”.
Fico imaginando como é possível, ainda, que este tipo de discurso seja tomado como “progressista”, já que seria uma espécie de “denúncia” contra as nações que não desejam o diálogo e decidem agir sem levar minimamente em consideração o multilateralismo e a voz dos povos em todo o mundo.
É o caso do Iraque, em que de modo inédito povos do mundo inteiro se reuniram antes de uma invasão – que muitos ainda chamam equivocadamente de “guerra” – sequer começar, em protesto à ação bélica liderada pelos EUA e pela Inglaterra. Igualmente sem qualquer tipo de apoio das Nações Unidas – com franca oposição mesmo no conservador Conselho de Segurança –, os países que formam a frágil 'coalizão' que desejava a invasão (porém com grande potencial bélico) decidiram abandonar todos os apelos internacionais e se atiraram num precipício. O resultado nós conhecemos. Evidentemente que os ideólogos do belicismo pós-moderno estão todos vivos. Não são eles que seguem para o front. Nada diferente em relação ao Afeganistão, dois anos antes.
Pois bem. Diante desta situação específica, estamos diante de duas posições bem claras. As relações internacionais são compostas por um complexo jogo social, político, econômico e cultural, porém falemos desta situação. Bem específica.
1. A primeira posição – mais representativa, em termos globais – diz que o único caminho é o diálogo. A guerra só pode ser justificada por um motivo absolutamente explícito de autodefesa. Claramente, conforme apontaram todos os relatórios da ONU, não era esse o caso nem do Afeganistão nem do Iraque. Isto não estava em questão. As supostas 'ameaças' existentes nestes países do Oriente Médio foram amplamente desconstruídas, desde o início, inclusive por experientes jornalistas.
2. Temos, do outro lado, a posição daqueles que querem a guerra. Que “adoram a guerra”, como chegou a confidenciar o ex-presidente dos EUA George W. Bush. Ele tinha a oposição de todos os povos do mundo. Da gigantesca comunidade árabe. Da maioria do povo de Israel. De toda a América Latina, África e Caribe. Até mesmo de governos poderosos, como França, Rússia e China, que vetaram no Conselho de Segurança a legalidade da invasão.
Em vão, pois no final da linha não há quem possa impedir o uso da força por aqueles que a detém – um método medieval de dominar uma determinada região que sempre “deu certo” para aqueles que não se importam em cometer crimes contra a Humanidade, conforme documentou amplamente o escritor Noam Chomsky.
Pois chegamos ao ponto desejado. Somos pequenos – sociedade civil, ONGs, movimentos sociais – porém muitos. E quando nos perguntam: o que você acha da UNASUL, das Nações Unidas? Curiosamente – a ciência da comunicação há de estudar este fenômeno! – corroboram a posição bélica: o multilateralismo faliu. Não existe mais. As Nações Unidas estão acabando.
São milhões e milhões de pessoas em todo o mundo – destacadamente na África e sul da Ásia, principalmente, mas também no Caribe, no leste europeu – que precisam do multilateralismo. Lugares onde urge o diálogo entre grupos em guerra, entre milícias de libertação nacional, entre governos e rebeldes. Milhões e milhões de povos que gostariam de ver a paz consolidada. Lugares onde centenas de trabalhadores humanitários perdem seu tempo, sua saúde e até mesmo suas vidas pelo diálogo. Onde são justamente funcionários da ONU que têm a atribuição de realizar a conversa intergovernos, intergrupos da sociedade, para tentar solucionar impasses que já duram décadas, até mesmo séculos.
Mas não. Para alguns, o diálogo morreu. A ONU faliu. Uma posição cômoda, claro, para um sociólogo ou um jornalista que mora em um país cuja situação política está estabilizada. Mas não para os moradores da fronteira do Chade com a República Centro-Africana. Certamente não para os nobres moradores de Darfur. Ou ainda para as mulheres que vivem em áreas remotas da República Democrática do Congo. E o que diriam os povos do Haiti e da Somália? De Guiné-Bissau ou na Palestina?
Estes desejam o diálogo. A paz com participação ativa. Buscam direitos, alimentos, dignidade. E não se enganem: são justamente os governos que negam o multilateralismo – por meio do boicote político a tratados e convenções – os mesmos que negam os direitos fundamentais de um povo e praticam os piores crimes contra a Humanidade. Entre países poderosos e pequenas ditaduras, estão todos no mesmo barco. Não foi à toa que a primeira grande medida de Adolf Hitler, ainda em 1933, foi se retirar da Liga das Nações.
O Itamaraty, atualmente chefiado pelo ministro Celso Amorim, possui uma posição clara, simples, direta: guerra, não. Se o Irã tem um problema, conversaremos. Se não há liberdade política na China ou na Coreia do Norte, mais diálogo. Se isso prejudicará a posição do Brasil diante dos EUA, dane-se: mais vale o diálogo. Até mesmo a acusação ríspida a países que desrespeitam grosseiramente os direitos humanos, como ocorre frequentemente por parte da chancelaria brasileira, é nestes termos: vocês não estão respeitando as convenções, o coletivo.
Felizmente se foi o século XX. Ficou, claro, um resquício: os generais e suas estrelas, se vangloriando por seu passado vergonhoso de extermínio da oposição. Os atuais assassinatos em massa no Oriente Médio, na África e nas Américas, agora observados mais de perto: resquícios. Na TV, muito ainda da cultura da violência, que promove como herói o forasteiro que mata todos os seus inimigos e vence o “mal”. Felizmente, está chegando ao poder uma nova geração.
A paz é o objetivo – desarmamento, multilateralismo, multiculturalismo, diálogo global por meio das redes, entendimento mútuo entre diferentes, estas são palavras em ascensão. A guerra, uma aberração que ninguém deseja, nem mesmo em forma de brinquedo ou produto audiovisual. Basta pegar os registros do século passada para evidenciar o fracasso do ideário bélico entre os mais jovens – apesar da persistência de parte da indústria cultural.
Se esse novo ideário, humanista, vai persistir por mais uma geração, eu não sei. Só sei que não compartilho o ideário belicista e, portanto, não o divulgo. E você?