maio 28, 2010

“Se, para entrar no Conselho de Segurança, é preciso ser subserviente, é preferível não entrar”

Um Fórum global muito interessante – a Aliança de Civilizações (www.rioforum.org) – acontece no Rio de Janeiro. Não seria justo, em um texto, dar conta de todos os debates, mas gostaria de destacar alguns tópicos.

Fundamental falar da presença, sempre marcante, dos papagaios norte-americanos. O papagaio, como vocês sabem, é uma das muitas aves pertencentes à ordem dos Psitaciformes, família Psittacidae; vivem cerca de 100 anos e tem apenas 3 filhotes durante sua vida. Alguns papagaios são capazes de imitar sons e, inclusive, a fala humana. Existe toda uma variedade de papagaios. O papagaio-galego, o papagaio-de-peito-roxo, o papagaio-de-cara-roxa, o papagaio-com-aquilo-roxo e o papagaio-verdadeiro – coitado, este último em franca extinção no jornalismo.

O papagaio norte-americano, como vocês podem imaginar, é aquele que cresceu em um ambiente americanizado e repete, portanto, tudo o que vem do Norte. E eis que, durante uma coletiva de imprensa com ministros de Relações Externas de Brasil, Turquia, Espanha e Catar, surge um espécime tal qual a descrita no início deste artigo, fazendo uma “pergunta” ao ministro Celso Amorim sobre as relações entre os Estados Unidos e o país de Amorim, o Brasil.

A jornalista – que trabalha para o único jornal norte-americano sediado no Rio de Janeiro, The Globe – ouviu, antes de pedir a palavra, as mesmas perguntas de sempre da imprensa. Irã é uma ameaça, Brasil deseja entrar no Conselho de Segurança, relações bilaterais com EUA, o que vocês acham disso? Por que não concordam com os EUA??

Imagine o ministro Amorim tendo que responder, repetidamente, em cada lugar que vai, por anos e anos a fio, as mesmas perguntas de sempre – não propriamente sobre os mesmos temas, mas com o mesmo pano de fundo.

Pois eis que, não satisfeita, a jornalista do The Globe decide falar pela Secretaria de Estado do EUA, a Senhora Hillary Clinton. Como se fosse a própria, ela questiona Amorim sobre o que acha do que ela disse há um ou dois dias.

Deixe-me dizer uma coisa sobre os jornalistas brasileiros. Vou ser direto. São despreparados. Trabalham em muitos lugares ao mesmo tempo, ou com muitas tarefas em um único lugar. Não tem tempo de ler. Não tem interesse em questionar o aquário – no jornalismo, uma referência ao chefe de redação, que fica numa sala que lembra um aquário. E são, muitos e não todos, papagaios norte-americanos.

Permita-me a palavra. Em 2003, quando os Estados Unidos de George W. Bush decidiram ir à “guerra” (invasão, massacre ou genocídio seria mais adequado) contra tudo e contra todos, a chancelaria deste país resolveu defender a tese da guerra preventiva junto ao Conselho de Segurança da ONU, e apenas dois países apoiaram a ação militar. O mundo se uniu contra a guerra. Foram passeatas, manifestações, a maior declaração de “Não” à guerra de toda a História, antes de uma guerra começar. Parte da imprensa decidiu chamar este apoio à invasão do Iraque de “apoio da comunidade internacional”. E eis que, com este apoio – meio capenga, é verdade – os EUA foram à guerra. Desde então, este foi considerado o maior erro deste país em décadas, com o consequente flagelo permanente deste país e tragédias atrás de tragédias humanitárias. Sem falar no aumento do terrorismo global.

Eis que, então, surge um novo posicionamento na esfera global. Muitos países começam a construir uma visão alternativa. “Temos que eliminar todas as armas nucleares do mundo”, afirma o primeiro-ministro turco. Podemos concretizar, por meio do diálogo, mudanças significativas para abarcar toda a nossa diversidade cultural, afirmou o Secretário-Geral da ONU. O diálogo, e não a guerra, deve ser a primeira e última opção, e estamos mostrando que é possível, respondem as máximas autoridades presentes. Isso não diz respeito a esta ação específica em relação ao Irã. É uma linha de ação.

O que impressiona, ainda, é a ignorância dos jornalistas. Que estejam mal informados, ok (para isso serve a coletiva, também). Que estejam atuando de modo ideológico, tudo bem (faz parte da democracia). Mas que sejam ignorantes, não é aceitável. São jornalistas. Se estão despreparados, que fiquem calados e anotem as observações dos colegas de profissão. É uma questão de humildade.

Citam o Acordo entre Irã, Brasil e Turquia como se fosse um jogo de palavras entre autoridades iranianas e norte-americanas. Não o é. Existe um acordo. Leiam-no, por Deus!

O Acordo não fala, em momento algum, que o Irã está proibido de enriquecer urânio de modo que se configure, diante da ONU, uma ameaça. Este é um direito de toda e qualquer Nação no mundo. O que a ONU pede é transparência. Da transparência, surge a “construção da confiança” (trust building).

Os Estados Unidos, que declararam no início do encontro de um mês na ONU sobre o tema possuírem mais de 5 mil ogivas nucleares, também tem este direito. À época, o Secretário-Geral da ONU declarou que esta é uma “imagem assustadora”, durante um evento em memória das vítimas – ainda hoje – da bomba atômica no Japão. Ban afirmou, no entanto, que a revelação é um sinal de sua transparência, que por sua vez constrói confiança no país. Ninguém questionou isso. Nenhum editorial para se perguntar se isso não “atrapalharia as relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos”, já que o Brasil é uma Nação pacífica e que faz, inclusive, diversas mediações de paz em todo o mundo.

Mas isso a jornalista do The Globe e grande parte da “grande” mídia não levam em consideração – ainda bem que contando, sempre, com as honrosas exceções, pois do contrário estaríamos mais próximos a uma ditadura. E não levam em consideração porque os papagaios norte-americanos não pensam por si próprio, apenas repetem o que outras pessoas dizem, em volta, de acordo com o meio ambiente.

“E quanto às sanções no Conselho de Segurança, ministro Amorim?”, repetem, repetem, repetem. Os Estados Unidos, mordidos pelo fato de o plano turco-brasileiro ter dado certo, aceleraram as “discussões” neste Conselho e decidiram investir pesado no conflito – o contrário do que Brasil e Turquia fazem, que é o diálogo, o entendimento mútuo, a saída negociada. Quanto a isso, Amorim na coletiva de hoje (28/5) na Aliança de Civilizações: “Eles têm o poder quanto às sanções no Conselho de Segurança, podem fazer o que quiserem. Nós temos apenas o poder moral. Eles podem vetar o que quiserem, mas não podem impor a nós violentar a nossa consciência”.

Outra pergunta que os jornalistas costumam fazer, há pelo menos 10 anos – imaginem o tamanho da paciência requerida – é em relação à pretensão do Brasil de ser um membro permanente do Conselho de Segurança. Estas últimas ações, perguntam em uníssono, não “atrapalharia” tais pretensões?

Celso Amorim, nosso ministro: “Se, para entrar no Conselho de Segurança, é preciso ser subserviente, é preferível não entrar”.

Hillary Clinton que se conforme com sua política belicista e imperialista. Esse ministro é do Brasil e, felizmente, não é do mesmo espécime que nossos jornalistas.

NOTA DE LAMENTO

O Fórum Aliança de Civilizações estava indo muito bem, até um triste acontecimento na abertura do evento. Configurando uma das grandes forças transformadoras para a paz, a juventude compareceu ao evento e preparou recomendações, a pedido da própria Aliança. No entanto, na abertura, as recomendações foram simplesmente censuradas. "O Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, disse que 'nós precisamos aprender com a juventude'. Como os formuladores de políticas públicas aprenderão conosco se eles se recusam a ouvir nossas vozes", afirmou uma nota assinada por jovens de diversas partes do mundo, frustrados com tal desprezo.

maio 19, 2010

Imperialismo: a gente vê por aqui

Foto: AFPMuito curiosa a cobertura de parte da mídia brasileira sobre o acordo entre Brasil, Turquia e Irã para a utilização de energia nuclear. A TV Record (17/05) foi a única a registrar: o chanceler brasileiro Celso Amorim deu entrevista após a assinatura e foi direto ao ponto:

“Dando tudo certo é uma vitória para o mundo, que demonstra que é possível resolver as coisas não da maneira como feita no caso do Iraque, mas de maneira pacífica”.

É claro que há negócios e política em jogo, ninguém duvida. No entanto, o Brasil manda o recado para os Estados Unidos: não faremos nada pela via bélica. Guerra, não. É também, portanto, uma vitória da paz, contra a estupidez das armas.

Curiosamente o Jornal Nacional, da TV Globo, não mostrou esse trecho no mesmo dia, apesar de estar ao lado do ministro Amorim, gravando. Preferiu dedicar longos minutos à posição... dos Estados Unidos. E chegou a manipular a fala do Secretário-Geral da ONU, usando apenas o trecho em que ele pede “cautela”, apesar de claramente ter classificado o acordo como “positivo” (a nota original aqui).

Na diplomacia – que é o que estes senhores e senhoras de roupas bonitas fazem, afinal – a saída primeira, prioritária e, para muitos, única, é o diálogo. A guerra é uma estupidez e está banida pelas nações mais sensíveis ao apelo popular em todo o mundo. Este é o mesmo entendimento, como não poderia ficar mais claro, da chancelaria brasileira.

Quais interesses a TV Globo defende?

Ao editar o seu telejornal a partir da fala oficial do governo dos EUA, a TV Globo confirma que busca a opção preferencial pela guerra. É uma conclusão absolutamente razoável, já que a emissora (1) ignora aqueles que defendem o diálogo e (2) manipula aqueles que o mediam.

A pressão só serve, em última instância, aos EUA, que não só deseja que os desentendimentos com o Irã continuem, como também joga um papel desagregador e belicista como forma de manter seu papel no Conselho de Segurança da ONU – único órgão das Nações Unidas que resiste a uma ampla reforma e atualização aos dias atuais – e limitar o poder das nações emergentes e menos desenvolvidas. Com o apoio da TV Globo, ao que parece.

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